Alguns consideram a Ditadura responsável pela criação da Polícia
Militar. Sim, porém focar no regime em si é um grande erro já que esse é
composto por um grupo de indivíduos com interesses, práticas e
comportamentos específicos. E quem são eles? Basicamente, a nossa velha
elite, que se reproduz desde os tempos da colônia. Uma classe social que
detém a hegemonia cultural, econômica e política e que carrega
consigo juízos como o autoritarismo, o paternalismo¹, o
patrimonialismo², o preconceito e o racismo. Como classe dominante,
esses indivíduos precisam recorrer à mecanismos para legitimar a sua
posição, e ao fazer isso, acabam transferindo seus próprios valores
para o aparato de dominação. Um exemplo pontual é a própria Polícia
Militar.
Quando o modelo desenvolvimentista da ditadura
já não conseguia mais reproduzir os interesses econômicos das elites, o
país passou pela democratização justamente para garantir o sucesso das
políticas neoliberais e para inserir o modelo flexível toyotista³ de
produção, assim como privatização e precarização do serviço público, o
aumento progressivo da concentração de renda e do consumo
desnecessário, e a mercantilização da educação. Dessa forma, uma grande
parcela da população continuou relegada à periferia do sistema, tanto
geograficamente quanto existencialmente.
A desigualdade
social e as políticas adotadas pós-ditadura ajudaram a potencializar a
situação endêmica da violência e da violação dos direitos humanos. A
pergunta recorrente é o por que da Polícia Militar continuar existindo?
Primeiramente, porque a democracia brasileira falhou na implementação
de políticas públicas de inclusão na mesma medida em que falhou no
combate ao crime. Além disso, a democracia brasileira não soube atacar
as raízes do autoritarismo socialmente implantado e manifestado na
corporação militar. Apesar da constituição de 1988 garantir direitos
negados na ditadura, como o direito à vida, à liberdade e, considerar
crime a tortura, a detenção arbitrária e a discriminação, o Estado não
conseguiu exercer seu papel nesse processo.
A Polícia Militar
está fundamentada como guarda fronteira entre ricos e pobres. Hoje temos
uma elite que acredita viver uma guerra contra as classes mais baixas
refugiando-se em condomínios-fortaleza, a Bancada da bala no congresso,
passeatas pedindo mais repressão, enfoque militar na segurança pública e
privatização do sistema carcerário. Segundo o trabalho do professor
universitário Marcelo Medeiros, ¼ das elites empresarias acreditam que o
controle populacional deve ser a PRINCIPAL iniciativa para redução da
desigualdade social. Então deve ser por isso que a polícia do Rio de
Janeiro é a que mais mata e que mais morre no mundo.
A
Polícia Militar é uma máquina fordista de massacre em massa. Ela
reproduz os valores de uma elite autoritária, racista e classista. Não é
à toa que ocorra genocídio na periferia, que Amarildo e Eduardo estejam
mortos. Desmilitarize já! Pois quem toma banho de ódio exala o aroma da
morte.
Notas:
¹: Paternalismo,
em sentido lato, é um sistema de relações sociais e trabalhistas,
unidos por um conjunto de valores, doutrinas políticas e normas fundadas
na valorização positiva da pessoa do patriarca.
²: O patrimonialismo é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado
Localizada na parte mais oriental da África, a Somália pertence ao chamado Chifre Africano — composto por Eritréia, Djibouti, Etiópia e Quênia. Seguramente, você já escutou sobre os piratas somalis. E, isso se deve ao fato do país encontrar-se, ao norte de seu território, com o Estreito de Bal-el-Mandeb (ponto de ligação do Mar Vermelho/Oceano Índico), uma região com intenso trânsito de petróleo.
De tempos em tempos, a opinião pública europeia faz um grande alarde sobre os navios saqueados em sua costa. Além disso, a Somália também ocupa as manchetes internacionais quando o assunto é imigração ou terrorismo[¹]. Entretanto, são raras as reportagens que tecem uma reflexão mais aprofundada sobre a natureza histórica dos problemas sociais na região.
Foram 22 anos de uma ditadura militar, ora alinhada com a URSS, ora com os EUA. Com derrubada do Ancien Régime, em 1991, o país mergulhou em um intensa guerra civil. No início do conflito, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma intervenção liderada pelos ianques[²], que permaneceu até 1995. Com a virada do milênio, o Estado entrou em colapso com o surgimento de grupos armados, incluindo radicais islâmicos, grupos étnicos e tribais. No final de junho de 2006, a União dos Tribunais Islâmicos capturou a capital Mogadíscio. Os anos que se sucederam foram de intervenções da aliança Etiópia/EUA e das tropas da União Africana.
Presidente amigo do Ocidente
Após o estabelecimento de um governo de transição (2009), as eleições presidenciais tornaram o candidato ligado a Irmandade Muçulmana, Hassan Sheikh Mohamud, o novo governante do país. Ativista político e fundador da Universidade de Mogadíscio, além de ser defensor do neoliberalismo, o novo presidente se tornou, em 2013, segundo a revista Times, um dos 100 homens mais influentes do mundo.
Todo esse poder emana das riquezas naturais da Somália. São 200 bilhões de m³ de gás natural(comprovados) e estima-se 100 bilhões de barris de petróleo. No mesmo ano da publicação da Times, o presidente, apoiado pelos britânicos/americanos, estimulou a abertura da exploração petrolífera, além de reforçar o controle militar nas localidade próximas às reservas.
O sopro branco de Londres
O currículo do Lorde Michael Howard(ex-líder do Partido Conservador Britânico) é para nenhum Kim Kataguri colocar defeito. Durante o período Thatcher foi ele o condutor do processo de privatização do sistema de água, fato que contribuiu para a sua promoção ao cargo de ministro do trabalho(1990–1993). Nesse período, o lorde foi responsável por flexibilizar as regras trabalhistas, que geraram demissões em massa. Sua política neoliberal beneficiou o grande empresariado ligado ao carvão.
Sua aproximação com o setor energético culminou com o seu cargo de ministro do interior(1993–1997). Mais tarde, a parceria lhe renderia bons frutos. Em 2013, o Lorde associava-se ao executivo da British Petroleum e ao controlador Robert Sheppard da DTEK Holding(maior empresa privada de energia da Ucrânia) para criar a SOMA Oil and Gás.
O ponto que a trama fica interessante
Segundo Global Witness, Michael Howard teria enviado uma carta à Michael Fallon, quando era ministro dos negócios do Reino Unido, pedindo um grande favor: se encontrar com o ministro da energia da Somália para discutir “os desafios de desenvolver um regime de hidrocarbonetos”(2012).
Em 2013, com apenas três meses de existência, a empresa do Lorde Britânico conseguiu permissão para explorar e pesquisar o petróleo da Somália. Recentemente, a Serious Fraud Office(SFO), um escritório governamental de investigações, tem divulgado em sua página na internet todas as informações sobre a SOMA Oil and Gás. Segundo as investigações, a empresa foi criada, exclusivamente, para atuar no mercado de petróleo do Chifre Africano, logo após da ONU pedir moratória sobre todas as novas ofertas de petróleo na Somália.
O Governo da Somália parece tentar reconstruir o país adotando o modelo neoliberal de estímulo da economia que, nesse caso, seria o de privatização de investimentos e aceitação do capital internacional para extração de recursos naturais. Entretanto, os acordos de exploração do petróleo estão sendo feitos a portas fechadas — em um país devastado por guerras- com empresas de histórico recente. Dentro desse acordo, a SOMA Oil and Gás teria ganhado 12 blocos de petróleo OffShore para realizar uma pesquisa sísmica na costa do país.
Os dados do contrato firmado com o governo da Somália não foram divulgados no parlamento somali levantando questões sobre quem são as pessoas envolvidas e os valores dos negócios. Segundo reportagem do Wall Street Journal, verificou-se que um diretor da SOMA, Mohamed Ajami, se encontra sob investigação do Departamento de Justiça dos EUA. O empresário teria sido acusado de ter feito subornos para persuadir o Libyan Investment Authority — da era Gaddafi — à investir 300 milhões de dólares(dinheiro da Líbia) no fundo de hedge Och Ziff.
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1 — Recentemente, a mídia internacional está noticiando os atentados do Al-Shabaab — uma organização filiada à rede Al-Qaeda. Essa semana, o grupo realizou um atentado, com treze baixas, em um hotel onde estariam autoridades internacionais. Além disso, a mídia europeia, sobretudo, abordam diariamente o problema da imigração. Somalis estão sendo cada vez mais expostos ao preconceito em países como a França e a Itália. — Ref:O Globo
2 — Os Estados Unidos entraram no conflito para defender posições imperialistas e obter o controle de parte do petróleo da Somália. — Ref: Carta Maior
Copa das Copas. Esse é o slogan bordado pela mídia tradicional (de bem) chilena. O cenário transmitido é de uma grande festa cidadã, em que o povo chileno se enche de esperanças com a possibilidade de um título histórico.
Desde o início do ano, o Chile vem enfrentando uma série de convulsões sociais e escândalos políticos. Maio acabou sendo um mês de lutas para o movimento estudantil chileno. O governo e a casta midiática tentaram lançar uma campanha anti-movimento estudantil, acusando os jovens de vandalismo. Às vésperas da abertura da Copa América, inúmeros estudantes acabaram detidos nas manifestações do dia 28 de Maio — uma das maiories marchas (200 mil pessoas). Nesse dia, as autoridades chilenas realizaram uma grande manobra antidemocrática ao impedir a ocupação da principal avenida de Santiago.
Entretanto, a mobilização não desacelerou seu ímpeto. Recentemente, os professores assumiram as rédeas da história. Contra o projeto de reforma educacional, a classe de educadores realizou um grande protesto no dia da abertura dos jogos. O Estado Policialesco se viu obrigado a isolar os arredores do primeiro jogo da Copa América. Porém, as pessoas tomaram as ruas próximas ao estádio com o espírito do “Copa para quem?”. Quando o RoboCop do governo descarregou seu arsenal, os professores revidaram jogando bolas de futebol.
s manifestações se espalharam e atingiram mais cidades, inclusive o local onde estavam Neymídia e Companhia. E a mídia brasileira fanfarrona, falou o quê? Neymar, Neymar e mais Neymar. Ademais, na quarta-feria(17 de junho) os professores e os estudantes tomaram as ruas de Santiago novamente. Estudantes da Faculdade de Humanidades e Filosofia da Universidade do Chile organizaram barricadas por toda madrugada. Além disso, estão ocorrendo diversas ocupações estudantis, como as da Universidade Alberto Hurtado, da Faculdade de Direito, Ciências Sociais e Comunicação da Universidade Diego Portales, do Liceu Cervantes, Darío Salas, da Faculdade de Direito da Universidade do Chile.
Foto: Francisco Vicencio
Reformas do Governo Chileno
A direita chilena vem atuando, desde o mandato de Piñera, para bloquear as reformas que fossem contrárias aos interesses do grande Capital. As reformas do “Novo Governo” de Bachelet estão sendo de caráter moderado. Apesar disso, a direita continua com a política de boicote. Às margens dos recentes escândalos de corrupção que atingiram a imagem da atual presidenta, a direita parece estar tentando transferir sua parcela culpa pelo caos social para o “desgoverno”. A elite empresarial e os conglomerados midiáticos( El Mercurio e La Tercera) estão de mãos dadas nesse processo de ataque ao povo. Por exemplo, no Estado de Araucanía, a mídia está acobertando os crimes cometidos pelo Estado à serviço dos empresários agrícolas contra o povo mapuche.
Novo modelo educacional
Os professores ressaltam que o projeto apresentado pelo governo é um modelo educacional de mercado que fomenta a concorrência e o individualismo e não favorece o processo coletivo de colaboração entre docentes e estudantes. De acordo com os docentes, o projeto governamental cria um sistema de escala para os professores, adota um fundamento para demissão dos profissionais que não cumpram com as exigências acadêmicas e prevê o aumento das horas não letivas (tempo que o professor dedica a reuniões, planificação e correções de trabalhos e provas dos alunos). — trecho tirado do site Opera Mundi.
O jaguar da América Latina. O pedaço da Suíça na América do Sul. O exemplo de moralidade e ética na política. Porém, ao contrário do que a direita brasileira prega, o atual escândalo de corrupção trouxe à tona as múltiplas faces da realidade chilena.
As últimas semanas foram bem difíceis para a presidenta Michelle Bachelet. Investigações revelaram a participação de políticos ligados a quase todos partidos, inclusive aos da base governista, no que é o maior caso de corrupção da história chilena. Apelidado de Caso Penta, o esquema de financiamento ilegal de campanhas atingiu principalmente os dirigentes da UDI, uma espécie de PMDB com forte apoio popular. Para piorar o cenário, o filho mais velho da presidenta, Sebastián Dávalos, juntamente com sua esposa, Natalia Compagnon, está sendo investigado por tráfico de influência.
O Chile não está desconectado dos males que atingem a América Latina, como também expôs sua vulnerabilidade perante ao patrimonialismo dos governantes - políticos que não possuem distinções entre os limites do público e os limites do privado - e aos ditames das castas financeiras. Assim como aconteceu no Brasil, o projeto de transição política chilena da ditadura à democracia acabou sendo incompleto, pois além de adiar reformas estruturais do sistema, garantiu a impunidade aos militares e a hegemonia do neoliberalismo. Hoje, em ambos os países, os escândalos de corrupção demonstram a fragilidade da democracia, que acabou sendo sequestrada pelo poder econômico. Não é à toa que os lobistas de hoje são os que, em sua maioria, fizeram suas fortunas durante os períodos ditatoriais.
Consequentemente, os casos de corrupção alavancaram um mal-estar social. A opinião pública chilena está profundamente abalada e descrente. A popularidade da presidenta caiu bruscamente de 80% para 29%. Como resultado desse mal-estar, uma agenda de protestos genuinamente populares. Infelizmente, no dia 14 de maio, dois estudantes foram assassinados brutalmente. Exequiel Borvarán e Diego Guzmán, respectivamente, 18 e 25 anos, foram atingidos pelas costas por um morador enquanto colavam cartazes, no final de uma marcha estudantil. O crime cometido ocorreu na região de Valparaíso.
A morte dos garotos é o resultado de uma sociedade idiotizada com discursos fascistas, anestesiada com programas inúteis em televisões e rádios. Também é fruto desse sistema que demoniza quem protesta e que exalta o individualismo consumista. São as múltiplas realidades do Chile: das gananciosas mineradoras e do Refúgio 33, dos fazendeiros e dos povos Mapuche, das empresas e dos político. É o Chile de pessoas como Rodrigo Cisternas, Daniel Menco, Claudia Lopes, Matias Catrileo, Alex Lemun, e agora de Exequiel Borvarán e de Diego Guzmán. ¡HASTA CUANDO COMPAÑEROS¡
Colômbia: país do El Baile Rojo, onde militantes de esquerda são alvos frequentes de atentados, perseguições e detenções arbitrárias. Nesse começo de julho, a política da justiça colombiana de caça às bruxas teve um novo episódio.
No dia 8 de julho, os conglomerados de mídia noticiaram a captura de 15 pessoas identificadas como “possíveis” responsáveis pelas explosões de dois artefatos - que ocorreram nas sedes financeira e industrial de um fundo de pensões —. De acordo com as autoridades colombianas, o ato foi "supostamente" cometido por uma célula urbana da ELN(Exército de Libertação Nacional da Colômbia).
Para organizações e movimentos sociais, as detenções acabaram sendo arbitrárias e se configuram como um grave ato de violação dos direitos humanos. Segundo fontes externas consultadas pela Agência Colombia Informa, as prisões estão fundadas em múltiplas irregularidades e, sendo assim, se configuram como uma situação que “apesar do âmbito normativo, a responsabilidade do Estado pelo erro judicial parece clara”, como indicou a advogada e especialista María Angélica Sánchez Álvarez — professora da Universidade Católica da Colômbia.
Os desaparecidos da guerra civil na Colômbia, entre forças do governo e a guerrilha comunista | Foto: J. Marcos
Ademais, no Congresso de los Pueblos, o senador Alberto Castilla indicou que há pelo menos sete “falsos positivos”. Ele alegou que esses casos são de pessoas que estavam fora de Bogotá no momento da explosão.
“Manipulam a justiça para alcançar um desfecho midiático”, declarou o advogado Franklin Castañeda, porta-voz do Movimento de Víctimas de Crímenes de Estado, uma das muitas organizações colombianas que lutam para desvincular a imagem de “terroristas” que o Governo busca instalar. Entre os detidos haviam três contratados da prefeitura de Bogotá — um jornalista da Agência Colombia Informa (Sergio Segura) e uma reconhecida feminista e advogada dos direitos humanos( Paola Salgado) — ; dois filósofos; um estudante de pedagogia, um estudante de geografia, um engenheiro agrônomo; uma cientista política e outros cinco ativistas dos direitos humanos.
O maior jornal de circulação do país, El Tiempo, cujos os donos são da família do presidente Santos, vem tentando criar uma grande confusão nacional ao vincular os ativistas com a ELN(Exército de Libertação Nacional da Colômbia) e com a prefeitura de Bogotá. O prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, representa o renascimento de esquerda colombiana, após do genocídio político da Unión Patriótica. Em 2014, Gustavo Petro acabou sendo deposto pelo presidente Santos. Após mega manifestações, a justiça colombiana foi obrigada a devolver e restituir o cargo.
O advogado Castañeda também lembra que, em casos anteriores, “ 80% dos detidos com acusações midiáticas de vínculo com guerrilhas, com o tempo ficaram livres, e com isso o Estado acaba pagando indenizações milionárias”.
Caso Sergio Segura — jornalista preso
A detenção de Segura e apreensão de seu arquivo jornalístico se dão em um contexto de perseguições e falta de garantias para o exercício da comunicação. A Fundação de Liberdade de Imprensa da Colômbia, documentou 164 casos de jornalistas vítimas de perseguições e violações dos direitos humanos em 2014, no qual 6 foram presos. Em 2015, a fundação reportou 84 denúncias.
Recentemente, os integrantes da Agencia Colombia Informa haviam sidos ameaçados de morte por grupos paramilitares de extrema-direita. Ao vincular a detenção de Segura com a sua cobertura jornalística sobre os temas de conflito armado e paz, a liberdade de imprensa parece enfrentar um mal-estar sem precedentes.
O Guerrilha GRR demonstra sua solidariedade com a situação do companheiro Sergio Segura. O ângulo de cobertura da Colômbia pela mídia tradicional brasileira é sempre no sentido de retratar a coesão nacional e as políticas de segurança. Com raras exceções, as violações dos direitos humanos e as perseguições entram nas rotas de pautas.
Segundo estudo publicado pela Forbes, Tio Patinhas aparece como o personagem fictício mais rico com 65 bilhões de dólares, à frente de Tony Stark(12 bi), Smaug(54 bi) e Mr.Burns(1,5bi).
Imortalizada nos quadrinhos, a saga do Tio Patinhas está muito além de histórias cômicas e ingênuas, ainda que seja apenas ficção, o universo criado por Carl Barks traduz valores e hierarquias do mundo real. Pois bem, vamos começar analisando Tio Patinhas, o protagonista da história. Excêntrico, rico e autoritário. Possui parentes, amigos e inimigos.
O mundo gira em torno do dinheiro, logo as relações sociais são construídas a partir de quem detém o dinheiro, o Capitalista, no universo das relações sociais, em Patópolis, está concentrado na figura do Tio Patinhas, o Capitalista da história. Como consequência disso, ele passa a ser o único personagem de referência na definição e constituição de todos os outros. Por exemplo, sobrinho e futuro herdeiro, Pato Donald sobrevive, enquanto rico potencial, oscilando entre empregos temporários oferecidos por seu tio, e o desemprego.
Quando empregado, Donald vive enraivecido e apavorado, pois sua condição de herdeiro o impede de entender o seu papel na história. Os baixos salários, trabalhos estéreis e a humilhações. É pai sem ter filhos, uma vez que carrega o encargo paterno da criação de seus três sobrinhos (Huguinho, Zezinho e Luizinho). Tio Patinhas, como Patrão, utiliza-se de artimanhas para mantê-lo ativo e fiel ao emprego. Além disso, o delírio de acumular dinheiro de seu tio, faz Donald se tornar uma das peças de um sistema de reprodução de capital, porém, ele se sujeita ao regime de humilhações cotidianas para não acabar sendo deserdado.
Dentro do universo da história, o pato com pinta de marinheiro tenta sem sucesso reproduzir as mesmas palavras e mesmos gestos do dominante (Tio Patinhas). Por ser herdeiro, Donald não enxerga na riqueza o fruto de seu trabalho, tampouco enxerga-se na condição de explorado, uma vez que seu papel é de beneficiário do sistema.
No reino do capital, entretanto, é necessário justificar porque existem uns com tanto e outros com tão pouco. Ora, no cosmos de Patópolis, existem os predestinados e “os que não são servos, nem bons fiéis — de tal modo que a entidade Sobrenatural neles não confia”. A riqueza é a sorte, e a sorte é o sinal de escolha. Por exemplo, Tio Patinhas carrega consigo uma espécie de talismã, a moedinha número 1. Esse talismã o acompanha desde o seu primeiro lucro. Portanto, constitui como um direito natural, o direito de enriquecer de cada escolhido.
Compreender a ficção é entender o modo capitalista de pensar. O universo de Tio Patinhas age sobre o leitor de forma subliminar reproduzindo valores da sociedade capitalista. Parafraseando Adorno, a tarefa atual da arte é introduzir o caos na ordem.
Em 24 de março de 2013, o grupo insurgente SELEKA tomou o controle da capital Bangui e depôs o presidente General François Bozizé. Logo após o golpe de estado, os rebeldes passaram a controlar as florestas tropicais do país. Desde então, os insurgentes fecharam acordos lucrativos com grandes madeireiras internacionais. Com o dinheiro dos contratos, o Seleka passou a financiar uma campanha de violência contra a população de seu próprio país.
As investigações conduzidas pela Global Witness revelaram como empresas madeireiras colocaram milhões de euros nas mãos de grupos culpados de assassinato em massa, sequestros, estupros e recrutamento de crianças-soldados. A Europa e seus Estados são cúmplices em pelo menos três tipos de acusações:
As empresas europeias possuem laços comerciais com a indústria madeireira da República Centro-Africana. Apenas em 2013, as companhias do velho mundo deram na mão do Seleka mais de 3,4 milhões para poderem continuar a venda ilegal de madeira.
A Europa também é o principal destino da madeira de RCA, portanto, os Estados-Membros estão falhando no controle da entrada ilegal de madeira. A União Europeia possui um política rígida de atuação contra a entrada de pessoas “ilegais”, porém fracassa ao não conseguir manter o Blood Timber fora dos mercados europeus.
Além disso, o governo da França pagou milhões de euros para bancar o desenvolvimento das madeireiras da RCA, com base na falsa justificativa de que essas companhias estariam contribuindo para o desenvolvimento local.
As madeireiras sob investigação são France’s Tropica-Bois, SEFCA do Líbano, e Vicwood da China. Juntas, essas empresas controlam uma área de floresta tropical duzentas vezes maior que Paris. Ademais, elas também respondem por 99% das exportações de madeira da RCA.
Segundo as investigações, as três madeireiras fizeram pagamentos frequentes para os rebeldes, como subornos e escoltas armadas para transporte de madeiras. Logo após o golpe, o grupo SEFCA transferiu 381 mil euros para o governo do Seleka.
A burocracia europeia tem feito muito pouco para dissolver os tratados ilegais. Durante o conflito de 2014, a madeira ultrapassou o diamante como número UM de exportações. O maior negociante da RCA, France’s Tropica-Bois, registrou aumento recorde em 2013, subindo 247% desde 2010. Procurada pela Global Witness, uma representante da empresa francesa disse “ A guerra na África é tão comum que nós realmente não prestamos atenção. Não é uma guerra onde eles atacam as pessoas brancas. Então, não é uma guerra que temos de evitar”. Para azar dela, a entrevista estava sendo gravada.
Em meados de setembro de 2013, um grupo — Anti-Balaka — de partidários ligados ao ex-presidente François Bozizé lançou uma ofensiva militar contra os rebeldes e civis muçulmanos da RCA. Milhares de pessoas morreram e 300 mil saíram do país como refugiados, além dos 500 mil civis que abandonaram as suas casas. Porém, com a expulsão dos rebeldes pró-Seleka e a instalação de um governo de transição, as empresas madeireiras não cessaram os pagamentos. Eles apenas passaram a ser debitados na conta do grupo Anti-Balaka.
“É tragicamente irônico o fato dos governos europeus investirem centenas de milhões de euros em operações militares para garantir a paz na RCA. São os mesmos governos que não conseguem manter a madeira do conflito fora dos mercados da UE. Se a Europa não cancelar o seu apoio as madeireiras, os consumidores da UE continuaram dando combustível ao conflito que eles mesmos enviaram seus soldados para parar.” — Alexandra Pardal, líder da campanha Global Witness.